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Especialistas avaliam prós e contras da instalação de grandes redes em Santa Maria

Diogo Brondani

Foto: Havan (Divulgação)
Rede catarinense Havan (na foto, a loja de Brusque) tem interesse em abrir em Santa Maria, o que levanta debate sobre os impactos locais dos investimentos de fora

Americanas, Colombo, Deltasul, Renner, Riachuelo, Magazine Luiza, Ponto Frio. Estes são exemplos de lojas que atuam em todo o país que foram chegando em Santa Maria nos últimos 30 anos, contribuindo para o desenvolvimento da cidade e do comércio local, mas também abocanhando clientes de lojas locais.

A sondagem para a chegada de novas unidades de grandes redes, como a catarinense Havan, que tem planos de se instalar em Santa Maria, divide opiniões quanto ao que acontece com as lojas locais, que não conseguem fazer frente às potências desses grandes nomes e, em muitos casos, acabam fechando. Mas por quais motivos isso ocorre? São vários os pontos que levam a este cenário, desde a concorrência tida como predatória até a falta de sucessores para tocar os negócios de família.

Para o economista diretor técnico da Fundação de Economia e Estatísticas (FEE) do Rio Grande do Sul, Alfredo Meneguetti, Santa Maria tem o perfil para atrair investimentos.

- A procura se dá por fatores como população e perfil do município. É uma cidade média, mas de muita influência na sua região. É tida como cidade cultura, universitária, além de ser a 5ª mais populosa do Estado. Nesse sentido, isso atrai o interesse do capital, já que ele identifica que é um público de perfil jovem, claro que há pessoas mais velhas, como em todo o Rio Grande do Sul. Porém, ela tem influência cultural, e isso está ligado ao segmento dessas empresas - diz.

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O economista também afirma que a posição geográfica estratégica, já que ela está localizada bem no meio do Estado, completa o perfil que as empresas de segmentos de varejo estão buscando.

- Ou seja, há perfil, localização e o público para determinado produto, com uma boa demanda, boa distribuição para cidades filiais, e tudo são estratégias de investimento. Isso tudo ainda aliado a setores como agronegócio, industrial e o de serviços - analisa o economista.

Sobre o fato de as grandes redes impactarem sobre as empresas locais e familiares, e até mesmo forçando ao fechamento de algumas, o economista é categórico ao dizer que é preciso apoio de outras forças para que as lojas locais possam se manter. 

- A chegada de uma loja de rede é sempre uma preocupação para aquelas de capital menor. A concorrência dos grandes varejistas pode ser uma influência adversa e negativa aos empreendedores locais que ainda estão posicionados com produtos tradicionais, que não se atualizaram. Prefeituras, autoridades, associações e universidades devem instrumentalizar esses empresários com alternativas como fusões, ou criação de produtos complementares para que possam se manter, assim como as instituições bancárias que possam adequar linhas de financiamento para que haja essa atualização - diz Meneghetti.

LIVRE CONCORRÊNCIA
O presidente da Federação do Comércio de Bens e de Serviços do Estado do Rio Grande do Sul (Fecomércio-RS), Luiz Carlos Bohn, diz que o investimento de grande porte em cidades como Santa Maria é importante para diversificar o comércio.

- Vivemos em um ambiente de negócios de livre concorrência. Isto é, respeitando critérios ligados à licitude da atividade e a exigência de cumprimento de questões legais gerais e específicas, qualquer indivíduo tem a liberdade de empreender. Isso é algo extremamente positivo e profundamente defendido pela Fecomércio-RS. Assim, antes de mais nada existe uma questão de princípio: a livre concorrência é uma condição fundamental para a prosperidade de uma sociedade capitalista - analisa Bohn.

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Para o dirigente, a instalação de grandes cadeias de lojas em cidades de porte médio e pequeno traz alterações ao ambiente concorrencial local. Por serem maiores, têm condições muitas vezes de oferecer preços e condições de pagamento diferenciados, o que tende a ter impacto nas margens aplicadas pelos comerciantes locais. Por outro lado, são geradoras de emprego e renda. Ao tornarem o comércio local mais diversificado também tendem a reter consumo que possivelmente vazaria para cidades maiores.

- As grandes cadeias de lojas têm processos mais bem estabelecidos, o que pode ser bom ou ruim dependendo da situação. Pequenas empresas, por exemplo, por serem menos rígidas, têm mais facilidade na tomada de decisão ao envolver menos pessoas e mais capacidade de adequar o atendimento (que envolve questões ligadas à forma e prazo de pagamento) que grandes redes. Diante desse cenário, cabe aos varejistas já estabelecidos reverem sua estratégia de compra de estoques, treinamento em atendimento, formação de preços e comunicação com o cliente. Empreender exige adaptação a novos cenários - diz.

SUCESSÃO FAMILIAR
Não é só o chegada de lojas de grandes redes que prejudica ou acaba com os negócios locais. Na opinião do ex-presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Santa Maria (CDLSM) e empresário na cidade há mais de 60 anos Mário Franco Gaiger, muitas empresas criadas na cidade acabam fechando as portas devido à falta de sucessão familiar.

- Nós, empresários santa-marienses, somos acomodados. Nós é que temos que mudar a mentalidade. Nós é que temos de querer crescer. Existe a oportunidade para muitas lojas, mas em alguns casos, os herdeiros não querem continuar ou não se preparam para isso. Acho que depende muito da gente. Na minha empresa, está difícil a sucessão. As minhas filhas estão comigo, mas se não tiver alguém que assuma, eu não sei como será - destaca o empresário, da Ótica e Joalheria Gaiger, fundada em 1957 e que segue na ativa.

Alguns exemplos de lojas que começaram pequenas e chegaram ao patamar de redes com lojas espalhadas pelo Estado também foram bem lembradas por Mário.

- Vale lembrar que muitas se tornaram redes começaram pequenas, como a Lebes, que surgiu em São Jerônimo e se expandiu. A Colombo, que é de Farroupilha, é outro exemplo. Essas se expandiram. Mas o que faltou para nós? Tínhamos a Irmãos Ugalde, a Elegância Feminina e tantas outras que acabaram se extinguindo. O que faltou para Santa Maria? - questiona Gaiger.

Sobre a possibilidade da instalação da loja Havan na cidade, ele é sinaliza como favorável.

- A Havan é um diferencial. Ela fica em zonas não dentro da cidade e tem um leque de produtos diferenciados. Acho que ela tem de vir. Vai acrescentar muito para a cidade. Se gerar 150 empregos, são 150 novos consumidores para as outras lojas. E esse negócio de abrir domingo, é só querer. Temos que ter a motivação para isso, que é o cliente que precisa ir comprar aos domingos - comenta ele.

COMPETIR COM AS GRANDES REDES
Há exemplos das empresas que nasceram em Santa Maria, cresceram e hoje competem com as grandes. É o caso das lojas Eny Calçados. O diretor Guido Isaia diz que é preciso repensar os processos para se manter na ativa.

- Santa Maria é uma cidade que tem crescido muito nos últimos anos. O aumento do número e da estrutura dos próprios shoppings fez com que as redes se interessassem mais por vir para cá. Além de empresário, sou um admirador da história de Santa Maria, e fico muito triste quando as empresas familiares, muitas delas tradicionais e históricas na cidade, acabam tendo de fechar suas portas diante da concorrência de lojas maiores, de fora de Santa Maria. Mas a concorrência, desde que leal, é parte importante do mercado. Ela nos faz repensar processos, nos reinventarmos. E a concorrência não está só nas grandes redes. Está na internet também. A gente sempre diz que não há fórmula mágica para continuar crescendo em situações assim - diz o empresário.

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Ainda, conforme Isaia, existe ao menos uma receita que é importante: valorizar a cidade e tratar bem o cliente.

- Acredito que esses têm sido e investimos sempre para que continuem sendo os diferenciais da Eny Calçados, dar o melhor atendimento a nossos clientes. O retorno que temos tanto nas lojas quanto por meio das nossas redes sociais de que esse diferencial mantém a fidelidade dos nossos clientes, é um incentivo, sempre. Precisamos destacar nosso cartão próprio. A Eny tem história, tem amor por Santa Maria, tem preocupação social, como comprova a Fundação Eny e, acima de tudo, tem respeito pelos seus clientes. Isso é levado em conta quando as pessoas fazem sua opção de compra - avalia.

Outra forma de competir com os grandes varejistas de fora é criar redes, como a Rede Super, que reúne supermercados para compras conjuntas.

O QUE DIZ A CACISM
A favor da concorrência de mercado e, principalmente do progresso como um todo, a vice-presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) e vice-presidente de Comércio da Câmara de Comércio, Indústria e Serviços de Santa Maria (Cacism), Maria Elizabeth Flores, afirma que não há como criar um nicho de mercado que impeça o avanço das lojas de rede.

- Todas as lojas de fora que desejam investir em Santa Maria são bem-vindas. Elas geram empregos e atraem consumidores de outras cidades, apesar de o imposto ir embora daqui. Nós já fomos o centro comercial do interior do Rio Grande do Sul e precisamos voltar a ser - afirma.

Ela admite haver impactos no comércio local, mas apoia investimentos de fora:

 - É claro que um investimento desse porte impacta sobre as lojas pequenas e as grandes também, mas temos que pensar que é bom para cidade como um todo. Não posso pensar só na minha lojinha, é preciso pensar no que é bom para o comércio como um todo. Se fosse assim, São Paulo não teria o número de lojas que tem. As pequenas sobrevivem com a sua clientela própria. Ninguém pode impedir que o progresso venha, que as coisas se consolidem dessa forma.

Segundo ela, a cidade deve se preparar e melhorar as condições para receber esse tipo de investimento, principalmente quanto à abertura do comércio em domingos e feriados, que prejudica o progresso do comércio.

 PRÓS E CONTRAS
Para o secretário de Desenvolvimento Econômico, Turismo e Inovação de Santa Maria, Ewerton Falk, a instalação de lojas de grandes redes em qualquer cidade tem pontos positivos e negativos.

- Pelo lado positivo, a chegada de uma loja de rede com atuação nacional fortalece o conceito de o varejo local ser muito forte. Se compararmos o número de negócios versus população, número de empregos no setor versus população, os índices mostram que temos um varejo fortalecido. A cada vez que chega uma empresa nova na cidade, a cadeia produtiva do varejo e sua imagem se fortalecem. Essas empresas com gestão mais moderna e inovadora mexem com o meio ambiente local e algumas empresas locais sofrem ou enfraquecem, mas, no geral, a maioria se transforma para melhor - avalia Falk.

Conforme ele, quando chega um competidor mais forte, os riscos de mercado são maiores. Para ele, uma loja de grande rede contribui com o desenvolvimento local quando fortalece a cadeia produtiva, mas o impacto positivo não é tão grande.

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- Quando atrai pessoas de fora de Santa Maria para o consumo, por exemplo, ela não mexe com o faturamento, mas provoca um deslocamento de recursos. Ou seja, a loja A perde negócios para loja B. As grandes redes vêm para Santa Maria em função da boa renda, da boa poupança resultado do funcionalismo público - destaca ele.

Além disso, de acordo com Falk, outro fator adverso ao nível de competição para as empresas menores e locais, é que as grandes têm um grau de eficiência maior, investimento em tecnologia maior, e um poder de barganha superior as demais:

- Se virar um mercado de grandes redes, teremos um problema de desemprego e não geração de emprego, pelo grau de eficiência delas. Quanto maior a loja, menor a geração de emprego por faturamento. Ou seja, a pulverização gera mais emprego. O faturamento é menor, mas com uma distribuição diferenciada. Então dizer que vão gerar de empregos, não é verdade.

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Sobre o fato de as lojas e estabelecimentos locais, em alguns casos, acabarem fechando por falta de armas para competir com as grandes redes, o secretário explica que a desvantagem começa já na carga tributária.

- A lógica do capitalismo é que o maior sempre tem vantagem competitiva e engole o menor. No Rio Grande do Sul tem o Imposto de Fronteira, o que resulta em que os pequenos têm despesa tributária que pode chegar a ser 19% maior do que o grande. Ou seja, o grande tem vantagem competitiva na compra, no investimento tecnológico e no grau de eficiência, e vantagem de carga tributária. Com a possibilidade de investimento das redes de fora, talvez seja o momento para rediscutir o Imposto de Fronteira para garantir a proteção do pequeno varejo, que é o maior gerador de empregos no Brasil - afirma Falk.

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